Recentemente vi um pessoal postando uma "novidade":

No canal dele, o Primeagen mostrou como se faz o que ele chamou de "negative space programming", fico feliz que esse assunto tenha aparecido em canais grandes, mas essa técnica não é nova, existe há muitos e muitos anos, inclusive o próprio TypeScript tem uma função que faz exatamente isso, só que com tipos, eu até falei sobre elas há uns anos.

Assertion functions são parte de um conjunto chamado de Type Guards. Junto com os enums, essas duas funções são uma das poucas que fazem o TypeScript sair do mundo da compilação e ir para o mundo do runtime, ou seja, o código que você escreve ali é, de fato, executado em runtime.

Type Guards e branded types

Existem duas categorias de funções, a gente separa pra ficar mais simples de entender, mas essencialmente elas são a mesma coisa porém com usos diferentes.

Primeiro temos os type guards.

function isNumber (n: unknown): n is number {
  return typeof n === 'number'
}

Essas funções retornam sempre um boolean dizendo se a condição passou ou não, no caso acima, estamos verificando se um valor n é um número. Mas qual é a diferença disso pra uma função normal?

Ai vamos entrar no quesito de inferência de tipos. Tanto assertion functions quanto type guards conseguem modificar os tipos que o TS vai inferir a seguir, e elas funcionam muito bem com branded types. Mas o que são branded types?

Branded types (bem rápido)

Vamos fazer um pequeno parênteses aqui. Branded types são tipos que representam variações específicas de um tipo mais amplo. Entendeu? Complicado né, vamos com exemplos.

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Eu vou fazer outros artigos somente para explicar o que são branded types, mas vamos para a explicação simples por enquanto.

Imagina que temos variáveis que são moedas em centavos, podemos ter euros, dólares e reais. Porém, mesmo que elas sejam todas string, elas não podem representar a mesma coisa, porque são moedas diferentes.

const eur: string = '1299'
const usd: string = '1099'
const brl: string = '90000'

Se criarmos uma função de conversão de euro para dólar, esperamos que o resultado seja em dólar, mas a entrada precisa ser em euros, como fazemos isso? Vamos criar um tipo que é uma variação de uma string, mas com uma propriedade escondida:

type EUR = string & { _brand: 'EUR' }
type USD = string & { _brand: 'USD' }
type BRL = string & { _brand: 'BRL' }

const eur: EUR = '1299'
const usd: USD = '1099'
const brl: BRL = '90000'

Agora em uma função de conversão, podemos esperar somente um tipo:

function eurToUsd (in: EUR): USD {
   return conversao(in) as USD
 }

Viu o que eu fiz ali? Usar o as como conversão explícita de código é uma das únicas formas de você conseguir criar um branded type, além de você instanciar a variável diretamente, a outra forma é através de funções de criação como essa:

function makeEUR (v: string): EUR {
  return v as EUR
}

A outra forma de validarmos e garantirmos que um tipo é através de type guards, como eu mostro na palestra que mandei no link anterior:

Claro, o uso de operações monetárias é um caso simples, no caso dos UUIDs por exemplo, isso pode ser um caso que vai evitar muitos bugs, já que você pode tipar seus parâmetros para receber apenas UUIDs a isso vai garantir que nenhuma string normal volte pra você.

Type Guards

Dito isso, type guards são uma forma de garantir que todo um escopo vai ter o tipo definido pelo type guard. Por exemplo:

function isStringArray (a: unknown): a is string[] {
  return Array.isArray(a) && typeof a[0] === 'string'
}

function foo (x: string[] | string) {
  const v = x // v é string[] | string
  if (isStringArray(v)) {
    // v é string[] aqui dentro
  }
  
  // v é agora string já que testamos se ele é um array e ele falhou
}

Se você pegou a ideia dos branded types, você sabe onde eu quero chegar, ter type guards significa que você pode trocar o tipo de uma variável para um escopo inteiro em uma técnica que é chamada de type narrowing, ou seja, estamos transformando um tipo mais amplo em um tipo mais estreito. Que nem fizemos com string[] | string transformando apenas em string[] ou string.

E isso significa que também podemos transformar tipos normais em branded types ou qualquer outro tipo que quisermos usando uma validação que existe em runtime, essa é a maior diferença. Todas as validações por type guards vão ser executadas durante o runtime da aplicação. Então você tem a validação não só em tempo de compilação mas também em tempo de execução.

Além dos type guards, temos uma outra variação que é tão importante quanto. As assertion functions.

Assertion functions

Funções de asserção são exatamente o tipo de técnica que ele está usando no corte que deixei no início do artigo. No JavaScript normal, isso é traduzido para o uso de assert (que no caso, ele importou do módulo node:console mas ele existe em um módulo a parte, o node:assert, que falei no artigo sobre o Node Test Runner)

A ideia é que, ao invés de retornar um boolean, nós não retornamos, vamos parar a execução do programa e lançar uma exceção porque esse é um valor inesperado. Ela é uma variação dos type guards, porém de forma mais estrita.

function assertIsNumber (x: unknown): asserts x is number {
  if (!typeof x === 'number') throw new Error('NaN')
}

Além disso, assertion functions também tem uma sintaxe diferente, por isso que a gente acaba separando os dois, dessa forma a gente não mistura uma coisa com a outra. Mas os usos são os mesmos, por exemplo, vamos substituir a nossa função anterior por uma assertion function.

function assertStringArray (a: unknown): asserts a is string[] {
  if (!Array.isArray(a) && typeof a[0] !== 'string') {
    throw new Error ('Not a string array')
  }
}

function foo (x: string[] | string) {
  const v = x // v é string[] | string
  assertStringArray(v)
  // v é string[] a partir daqui
}

Como você pode ver, um dos problemas com assertion functions é que elas não são inclusivas, ou seja, se você tem um union type entre dois tipos, assim que você usar uma assertion function, ela vai fazer a asserção somente de um deles, o outro vai ser ignorado, e qualquer coisa abaixo da assertion function vai ser inferido para o tipo que você colocou.

Assertion functions são muito usadas em lugares onde a gente tem parâmetros opcionais, ou valores opcionais que são usados em fluxos específicos. Especialmente quando estamos tratando de objetos.

Conclusão

Assertion functions são uma excelente forma de você garantir não só a tipagem do seu código em tempo de compilação, mas também garantir que, durante a execução, o código vai se comportar da mesma forma que você previu. Afinal de contas computação é determinística e a gente precisa saber o que a gente recebe e envia dos nossos programas.

Para completar essa série eu vou falar mais sobre branded types em outro artigo, então fica por ai!