Como eu já mencionei nesse outro artigo, o Node.js 18 veio cheio de novidades, entre eles a disponibilidade global do comando fetch
e o começo da adoção do prefixo node:
para importação de módulos do sistema que, inclusive, vamos precisar usar para falar de outra adição: o test runner nativo do sistema.
O que é um test runner
Antes de começar eu quero dar uma breve introdução do que é um test runner e por que ele é tão necessário em praticamente qualquer ambiente de desenvolvimento.
Qualquer código pode ser testado automaticamente, isso significa criar uma outra porção de código – que, ironicamente, não é testado – que contenha uma chamada para a função original e guarde o resultado dessa chamada para ser comparado com uma saída de sucesso ou de erro dependendo do caso a ser testado.
As bibliotecas para fazer a asserção (testar se um resultado é o esperado) já são nativas com o módulo assert
do Node.js, então poderíamos ter um arquivo como esse aqui:
const add = (a, b) => a + b
export { add }
E testar essa função simples usando o módulo assert
:
import { add } from './function.mjs'
import assert from 'node:assert'
let result = add(1, 2)
assert.equal(result, 3, 'add(1, 2) should return 3')
result = add(1, '2')
assert.equal(result, 3, 'add(1, "2") should not return 3')
Para executar é tão simples quando node addTest.mjs
, no entanto o que aconteceria se a gente tivesse centenas ou milhares de testes? Iríamos continuar executando o mesmo arquivo? Separar em vários? Como lidaríamos com o crescimento e automação da base?
E é ai que os test runners entram em cena. O trabalho deles é orquestrar as execuções de testes para que elas sejam as mais eficientes possíveis e, ao mesmo tempo, informativas. Provendo dados como cobertura de código e erros internos.
Por que um test runner?
Ferramentas como o Mocha, Jest, Jasmine e Ava já são super conhecidas no mercado por existirem desde... Bom... Desde sempre, então por que o test runner do Node faria alguma diferença? Já temos ótimas ferramentas por ai...
A resposta é simples: padronização. Um dos maiores problemas, pelo menos na minha opinião, é que todas essas ferramentas se comportam de maneiras diferentes e tem APIs diferentes – se não a gente não teriam diferentes ferramentas – e isso reduz cada vez mais a quantidade de pessoas que executam testes automatizados em seus códigos.
Não escrever testes leva a uma maior quantidade de sistemas não testados que são suscetíveis não só a falhas de securança (no caso mais grave), como também a falhas críticas de sistema, e muitos sistemas críticos não possuem testes.
Com ferramentas nativas do ecossistema ao invés de ferramentas terceiras, diminuimos tanto a barreira para a entrada de devs que vão escrever testes de forma nativa, como também padronizamos a API para que outras ferramentas possam ser intercambiáveis entre si.
O node:test
O módulo test é a solução para o problema que eu acabei de mencionar, ele está disponível a partir da versão 18 do Node.js, embora você precise instalar a versão 18.1.0 para conseguir rodar a ferramenta com sucesso na linha de comando (não me pergunte o porquê).
Apesar de estar presente na versão LTS, o estado da API de testes ainda está descrito como experimental, ou seja, a API tem compatibilidade próxima da final com o resto do sistema, mas é possível que as próximas versões sofram algumas alterações ou até tenham comandos removidos, portanto ainda não é aconselhável para ambientes de produção.
Usando o node:test
Começando com a importação, já vamos ver uma grande diferença, precisamos importar o módulo com o prefixo node:
, se o módulo test
não for importado seguindo o prefixo, o Node vai tentar carregar um módulo local chamado test
.
No momento só esse módulo tem esse requerimento, mas eu acredito que isso seja parte de um plano de longo prazo de converter todos os módulos nativos para dentro do prefixo node:
As linhas mais comuns serão:
import test from 'node:test'
O módulo vai exportar uma função chamada test
(que a gente poderia muito bem chamar do que a gente quisesse, o mais comum é o describe
). A função tem a seguinte assinatura:
type Options = {
concurrency: number,
only: boolean,
skip: boolean | string,
todo: boolean | string
}
type test = (name: string, options?: Options | Function, fn: Function) => Promise<any>
name
: o nome do teste, será aqui que você vai descrever o que o teste está testandooptions
: Um objeto opcional de opções, se não for passado, o segundo argumento será a função de teste a ser executadaconcurrency
: O númeto de testes que podem ser executados ao mesmo tempo dentro desse escopo, se não especificado, os subtestes vão herdar do parente mais próximoonly
: Se fortrue
, quando o CLI for executado em modo--only
esse teste será executado, se não será puladoskip
: Por padrão éfalse
, se fortrue
ou uma string, pulará o teste (com a string sendo a razão)todo
: A mesma coisa doskip
porém o teste é marcado como to-do, ou para ser feito.
fn
: A função a ser executada como teste, só é o terceiro parâmetro se houver um objeto de opções. Ela pode ser uma função síncrona ou assíncrona.
Um teste pode ter 3 tipos:
- Síncrono: uma função síncrona que vai dar o teste como falho se houver um
throw
test('teste síncrono passando', (context) => {
// Não lança exceções, portanto o teste passa
assert.strictEqual(1, 1);
});
test('teste síncrono falhando', (context) => {
// Lança uma exceção e gera uma falha
assert.strictEqual(1, 2);
});
- Assíncrono com Promises: Uma função assíncrona na forma de uma Promise que vai falhar se a promise for rejeitada
test('assíncrono passando', async (context) => {
// Sem exceções, a Promise resolve, sucesso!
assert.strictEqual(1, 1);
});
test('assíncrono falhando', async (context) => {
// Qualquer exceção faz a promise rejeitar, portanto: erro
assert.strictEqual(1, 2);
});
test('falhando manualmente', (context) => {
return new Promise((resolve, reject) => {
setImmediate(() => {
reject(new Error('podemos falhar a promise diretamente também'));
});
});
});
- Assíncrono com Callbacks: A mesma coisa do anterior, porém a função de teste recebe um segundo parâmetro de callback (geralmente chamado de
done
) que, se executado sem nenhum parâmetro, irá fazer o teste ser bem sucedido, caso contrário, o primeiro parâmetro será o erro.
test('callback passando', (context, done) => {
// Done() é a função de callback, sem parâmetros, ela passa!
setImmediate(done);
});
test('callback falhando', (context, done) => {
// Done é invocado com um parâmetro de erro
setImmediate(() => {
done(new Error('Mensagem de erro do teste'));
});
});
Para deixar mais próximo do que já utilizamos hoje, como eu mencionei no início, podemos chamar a função test
como describe
:
import describe from 'node:test'
describe('Meu teste aqui', (context) => {})
Subtestes
Assim como os frameworks de teste mais famosos, o Node test runner também possui a capacidade de fazer subtestes.
Por padrão a função test
vai aceitar um segundo parâmetro, como você deve ter percebido nos exemplos anteriores, que é uma função que leva dois parâmetros, um context
e, se passado, um callback
que é chamado de done
.
O objeto de contexto é uma classe do tipo TextContext
e vai ter as seguintes propriedades:
context.diagnostic(message: string)
: Você pode usar essa função para escrever saídas em texto para o protocolo TAP, que vamos comentar mais para frente. Pense nisso como uma saída de debug, ao invés de umconsole.log
, você poderá usar odiagnostic
para poder receber as informações no final do relatório dos testes.context.runOnly(shouldRunOnlyTests: boolean
: É uma forma programática de executar o test runner com a flag--test-only
, se o parâmetro da função fortrue
esse contexto só vai rodar testes que tem a opçãoonly
setada. Se você executar o Node com--test-only
essa função não é executada.context.skip([message: string])
econtext.todo([message: string])
: O mesmo que passar os parâmetrosskip
etodo
para a funçãocontext.test([name][, options][, fn])
: É recursivamente a mesma função, dessa forma elas podem continuar sendo aninhadas
Para criar um subteste, basta chamar context.test
dentro de um test
de mais alto nível:
test('top level', async (context) => {
await context.test('subtest 1', (context) => {
assert.strictEqual(1,1)
})
await context.test('subtest 2', (context) => {
assert.strictEqual(1,1)
})
})
É importante notar que os subtestes precisam ser assíncronos, caso contrário as funções não irão ser executadas.
Skip, only e todo
Os testes podem receber flags especiais como parâmetros, atualmente existem 3 flags existentes:
skip
vai ser pulado caso a opçãoskip
seja resolvida paratrue
, ou seja, uma string ou qualquer outro valor. Se for uma string, como já comentei antes, a mensagem será exibida na saída do teste no final:
// Skip sem mensagem
test('skip', { skip: true }, (t) => {
// Nunca executado
});
// Skip com mensagem
test('skip com mensagem', { skip: 'this is skipped' }, (t) => {
// Nunca executado
});
test('skip()', (t) => {
// Tente sempre retornar a chamada da função
return t.skip();
});
test('skip() com mensagem', (t) => {
// Tente sempre retornar a chamada de função
return t.skip('this is skipped');
});
only
é uma flag utilizada quando o test runner é executado com a flag--test-only
na linha de comando. Quando essa flag é passada, somente os testes com a propriedadeonly
comotrue
serão executados. Essa é uma forma bastante dinâmica de pular ou rodar somente testes específicos.
// Vamos assumir que rodamos o comando node com a flag --test-only
test('esse vai ser executado', { only: true }, async (t) => {
// Todos os subtestes dentro desse teste vão rodar
await t.test('vai ser executado');
// Podemos atualizar o contexto para parar de executar
// No meio da função
t.runOnly(true);
await t.test('o subteste vai ser pulado');
await t.test('esse vai ser executado', { only: true });
// Voltando para o estado anterior
// onde executamos todos os testes
t.runOnly(false);
await t.test('agora este também vai rodar');
// Explicitamente não executando nenhum destes testes
await t.test('skipped 3', { only: false });
await t.test('skipped 4', { skip: true });
});
// A opção `only` não é setada então o teste não vai ser executado
test('não executado', () => {
// Nunca vai rodar
throw new Error('fail');
});
todo
é uma simples mensagem que vai marcar o teste como "a fazer", ao invés de executar ou pular o teste. Ela funciona exatamente como todas as demais flags e pode também ser definida no objeto de opções.
Rodando da linha de comando
Para executar, podemos simplesmente rodar o comando node
seguido da flag --test
, se quisermos executar arquivos específicos, basta que passemos eles para o comando como último parâmetro:
$ node --test arquivo.js outro.cjs outro.mjs diretorio/
Se não passarmos nenhum parâmetro, o runner vai seguir os seguintes passos para determinar quais são os arquivos de testes a serem executados:
- Sem passar nenhum caminho, o cwd, ou diretório de trabalho será o diretório atual, que será recursivamente buscado nos seguintes termos:
- O diretório não é o
node_modules
(a não ser se específicado) - Se um diretório chamado
test
é encontrado, todos os arquivos dentro deste diretório serão tratados como arquivos de teste - Para todos os demais diretórios, qualquer arquivo com a extensão
.js
,.cjs
ou.mjs
são tratados como teste se:- São chamados
test
seguindo a regex^test$
como emtest.js
- Arquivos que começam com
test-
seguindo a regex^test-.+
, comotest-exemplo.cjs
- Arquivos que possuam
.test
,-test
ou_test
no final dos seus nomes base (sem a extensão), sequindo a regex.+[\.\-\_]test$
, comoexemplo.test.js
ououtro.test.mjs
- São chamados
- O diretório não é o
Cada teste é executado em seu próprio processo filho usando child_process
, se o processo finaliza com o código 0 (sem erro), é considerado como correto, caso contrário será uma falha.
O mais interessantes é que qualquer tipo de teste que emita uma saída TAP poderá ser executado pelo test runner do Node, mesmo que ele não use o node:test
internamente.
Usando o TAP para uma saída mais legível
O test runner usa um protocolo bastante famoso chamado TAP (Test Anything Protocol), ele é ótimo, mas é extremamente feio e difícil de ler quando executamos através da linha de comando. Além de que a saída padrão não possui algumas análises como a de cobertura de código.
Para isso, existem pacotes como o node-tap, que fazem o parsing desse protocolo para exibir de forma muito mais amigável a saída do usuário. Para usar basta instalar localmente ou globalmente:
$ npm i [-g] tap
O tap aceita qualquer input do stdin então basta que façamos um pipe para ele ao rodar os testes com: node --test | tap
, e ai podemos obter uma saída bem mais fácil tanto para erros:
Quanto para sucessos:
Conclusão
O test runner do node vai ser uma das ferramentas que mais podem impactar fluxos de código em praticamente todas as aplicações e isso significa que é possível que outros pacotes e outros sistemas comecem a utilizar essas premissas para definir o padrão de testes em todos os ambientes JavaScript.
Lembrando que a documentação do pacote está no ar no site do Node!